
O sol subiu um pouco e, rubro de cor, afasta as nuvens da escuridão. Os brancos do casario enche-se de ouro e as nuvens algodoadas matizam-se de cores e tonalidades diversas.
O dia está a levantar.
Desço a cidade onde os jacarandás se vestem de roxo, e outras árvores enriquecem a enorme tela de pintor que se abre em forma de concha vieira do mar à serra.
A cidade acordou.
Movimentam-se carros, pessoas, crianças para as creches e escolas.
No mercado o vendedor de peixe atrai os clientes com sua voz rouca e grossa:
- Atum fresquinho da noite. Fresco e barato, até cheira.
Nas escadas do mercado os olheiros apreciam o deambular das caixas de peixe miúdo, os cestos das frutas e os maranhos de legumes. O ar aromatiza-se de fruta madura. No café da entrada o guloso aroma da carne de vinho e alhos faz nascer água na boca.
É para lá que me dirijo.
É para lá que me dirijo.
-Bom dia.
-Bom dia. Uma chinesa e uma sandes de carne vinho e alhos. Bem aviada!
A moça sorriu. Um sorriso largo e acolhedor. Depois apertou na máquina o café, com um movimento rápido e desembaraçado, a manete e um líquido preto correu em fio espumoso para a xícara larga. Dirigiu-se ao recipiente do pão, tirou de lá um apezinho fresco e com um movimento afinado abriu-o e logo o encheu com a carne suculenta a cheirar a alho e segurelha. De seguida estendeu um alvo guardanapo branco num cestinho de plástico, mas que emita o vime e colocou-mo à frente:
- Bem aviada, como pediu! - Disse com um maroto piscar de olho.
Dum saltou retirou a chávena da máquina do café, adicionou o leite e entregou-ma.
Eu já mordia a sandes com vontade canina.
Adicionei açúcar e lanço o café extasiante à boca.
Lá fora, reparo, o movimento aumentou. Uma guia, com uma estrelícia conduz os turistas ao mercado, explicando a sua história e referindo os acontecimentos de Fevereiro último. A esplanada está cheia. As árvores ganharam cor com a chegada da Primavera.
Encostado à vedação verde que separa o passeio da estrada está um homem. Barba feita, cabelo aparado e penteado, camisa branca fresca, calça de ganga engomada, sapato preto. Sobre o ombro esquerdo têm um casaco azul de malha. Lê o jornal e sorri.
É o velho soldado. Agora parece ter menos vinte anos, apesar da cabeça branca.
Chamei-o.
Ele desprega os olhos das letras. Olha para todos os lados, tentando encontram a origem do seu nome.
Aceno com o braço levantado que logo é localizado.
Ele sorri. Desencosta-se do varandim, atravessa as mesas e cadeiras da esplanada e entra no estreito espaço do café.
-Bom dia.
-Bom dia. Então já tomou café?
-Hoje não, estava a ler aqui o jornal...
-Então o que vai tomar?
-Pode ser um galão - Disse entre o exclamativo e o interrogativo.
-Só, não deseja comer nada? Esta sandes de vinha de alhos está divina!
-Não, carne de porco só se for criado em casa. Essa carne é mole, é criada à pressão. Perdeu o sabor. Um papo-seco com manteiga.
- Veio cedo para a cidade!
- Sabe esta foi uma daquelas noite...não conseguia dormir. Só via clarões, vultos a esconder-se dentro de valas e casamatas. Cheiro a carne despedaçada.... Um inferno.
- Foi um sonho terrível...
- Era o inferno. Acordei em angústia, faltava-me o ar... Logo saltei da cama, tomei um banho e desci. Deveriam ser umas cinco e meia.
- Tão cedo!
- A cidade é bonita a essa hora. Como é bom vê-la a lavar a cara, a pentear-se, a ganhar rosas no rosto, depois perfuma-se com os primeiros aromas humanos que a povoam, ainda fresca, respira-se a maresia.
- Acredito que sim...
Paguei e abandonámos o café.
Cá fora a cidade parecia ter enlouquecido. Magotes informes de pessoas tentavam atravessar a rua, os carros corriam ferozes, rua acima, tentando apanhar o verde...
-Tá a ver esta cidade? De manhã ela é calma, como um mar de azeite.
- A cidade parece doida de vida.Tem pressa de viver.
- Vou até um lugar mais calmo acabar de ler o jornal. Obrigado.
- De nada, até logo.
O homem enfiou o jornal debaixo do braço e rompeu, por entre os vendedores e distribuidores, em direcção à zona do Liceu.
Ainda olhei, mas a multidão engolira-o.
As montanhas azulavam-se lá no alto e o sol começava a ficar quente.
Caminhei por entre a sombra das ruas, absorto, enquanto a luz caía lá do alto breve e pura.
A cidade espreguiçou-se e nos jardins floresceram sorrisos de muitas cores e uma nova vida, renovada, após a enxurrada, encheu a cidade dum arco-íris.
Uma bela descrição em prosa poética. E que venha o arco-íris. Cá estou precisando de um.
ResponderEliminarBeijos!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarObrigada por mais este texto cheio de surpresas! E, especialmente, pelo arco-íris: vi-o esta tarde e reconheci-o aqui ;)
ResponderEliminarMuito obrigada :)
ResponderEliminarVocê descreve tudo de forma tão real que é possível vivenciar cada instante!
ResponderEliminarParabéns!!!
Abraços!
Escreves de uma maneira que me sinto acompanhar-te como num filme! já vão florindo os jacarandás por aí?
ResponderEliminarBjs
Lindo texto meu amigo, é sempre um prazer lê-lo. Bom fim de semana e Beijo meu
ResponderEliminarAgredeço as visitas, antes de tudo.
ResponderEliminarLilá toda a ilha floresce, mas os jracarandás são lindos.
Amanhã toda a cidade se vistirá de flores na sua festa.
Depois do caos de fevereiro a promessa dos frutos erguer-se-á em sorrisos e cors pelas ruas da cidade e pelas tv's do mundo.
Bom fim de semana.
Bjs