04/05/2010

COM UMA FLOR DE TERNURA

Ele desceu à cidade com a rotina das manhãs.


Forte e dourado, já o sol se empinava pelos cabeços arredondados do Leste, numa melodia de pássaros atarefados em busca de alimento para os filhotes. Um melro, negro como azeviche, cortou a rua como uma espada, e esgueirou-se entre os gastalhos dispersos de um arbusto, soltando um longo assobio. No jardim, entre a alta relva chinesa, uma toutinegra buscava segredos. No lago, mesmo ao lado, dois cisnes brancos passeavam a sua vaidade. O jardim, ainda orvalhado de frescura, abria-se em tantas cores e promessas...
Num banco, verde negro, estava sentado um despreocupado homem. Ao seu lado um diário dobrado aguardava que mãos experientes o abrissem.
São nove horas e dezassete minutos.
A folia rotineira e diária da cidade começa a propagar-se como epidemia. Alastra pela alameda central e vai contaminando todas as lojas, cafés, e serviços. A calma manhã torna-se um vaivém de pessoas, tralhas, flores...
A cidade festeja a sua beleza, a festa da flor.
O Largo da Restauração e a Praça Central estão apinhadas de barracas, e pelo chão estendem-se tapetes de flores.
O velho caminha, jornal dobrado debaixo do braço esquerdo, ao longo da praça e vai tecendo comentários aos arranjos. Pára. Estende a mão e toca numa flor e exclama:
– A cidade está linda como uma flor de ternura!
– Deixe de tocar nos arranjos. - Exclamou autoritário um segurança.
O velho levantou-se, olhou a autoridade incipiente do jovem musculado. Sorriu e disse:
– A beleza não está nas flores. Está em quem as sabe apreciar!
Meteu o sorriso nos olhos azuis, que se iluminaram mal alcançaram o mar.

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2 comentários:

  1. Gosto da maneira como escreve. fico com pena quando acaba e acabo lendo outra vez para "apanhar" todos os pormenores
    Não sei se tem alguma livro publicado, mas penso que o deveria fazer

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