07/09/2016

DO MORENO DA SAUDADE


Com saudade da Achada do Moreno

Esta é uma verdadeira festa popular, campesina e serrana. É a mais genuína festa madeirense, feita pelas povoações da zona Este de Santa Cruz. Num misto de paganismo sagrado ou de sacro paganismo. A Senhora dos Remédios todos acolhe sob o seu manto azul celeste. Saudades de calcorrear o mainel da Levada Nova, subir a vereda da Ribeira do Moreno, ver as bicas cristalinas de fresca água caindo na casa-palheiro, a meia encosta, e a cantante água a transbordar do açude da ribeira, onde as rãs coaxavam alegres e inebriadas pelo odor das açucenas que brotavam em cachos rosados por entre a erva madura de setembro e os castanheiros velhinhos ombreando em sombra com os altivos plátanos da velha casa solarenga dos Barreto- Spínola.
Depois vinham os encontros familiares à sombra dos esguios pinheiros na almofada da carga-palha ou da relva rasteira, enquanto um aroma salino de alho exalava das fogueiras onde a carne ganhava cor de assado e os espetos rodavam entre amigos e familiares.O jogo do lenço vinha logo depois, e a corrida de rapazes e raparigas à volta da enorme roda que juntava conhecidos e visitantes, dava ao enorme campo chão o vislumbre de namoros e saudável convivência, apesar dos bairrismos. O Poncha tinha a sua barraca sempre junto à adufa da levada e aproveitava para lavar os copos, sempre rodando no balcão que a ASAE não inspeccionava. A velha senhora dos doces, colares, bordões, saborosos bolos de arroz e suspiro ajeitava no seu tabuleiro, enquanto os miúdos corriam no descampado largo , agora empoeirado. Ao fundo um motor zurrava e a iluminação ganhava cores e os altifalantes vozeiravam cantigas folclóricas e canções recentes.
Depois a tarde caía e era o regresso a casa. Os machiqueiros, que em bando chegaram pela manhã, saiam em romaria pelas veredas da Levada dos Moinhos até ao Lugarinho e abalavam por Água de Pena e descendo a Queimada chegavam a Machico. Nos ficávamos até alpardinha, mas logo descíamos o Caminho das Levadas e havia que chegar a tempo de saciar as cabras e os restantes animais da criação.a festa ficava lá longe, tão longe como as canções que já mal ouvíamos.
Era costume a minha tia Natividade vir a esta festa. Ela residia na Fonte dos Almocreves, quase em Gaula. Os primos vinham com ela. A sua presença era uma festa.
Nesse tempo as horas não tinham minutos e os dias eram longos e sorridentes, quase tinham mel no bico como os figos da velha "bebereira do meu avô.

4 comentários:

  1. Meu amigo, tinha muitas saudades do teu ato de cronicar.... Beijos

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  2. Crónica fantástica....Muitos parabéns e muito obrigado.

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  3. Crónica fantástica....Muitos parabéns e muito obrigado.

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  4. jeremy@mail.postmanllc.net

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