21/12/2010

Missa do Parto

O despertador do telemóvel toca. São quatro e meia da madrugada. Toda a noite ventou bem forte e a chuva fustigava as vidraças como lanças de água bem raivosas. Levanto-me. Vou até à varanda apreciar o tempo. O céu está matizado de nuvens, mas nos montes o negrume anuncia mais chuva. As árvores da rua dobram-se em vénias ao sopro do vento, e algumas folhas são varridas dos passeios e depositadas nos recantos e adufas, ou pela água que correu ou pelo sopro macio do vento. Não está frio.
São horas de me preparar para ir ao Porto da Cruz à missa do parto, como combinara com um amigo de longa data.
Recebo uma mensagem SMS por volta das cinco: " Já vou descer".
A lua está para ocidente e numa nesga clara de céu resplandece prateada e cheia.
Tomo o meu chá matinal, embrulho umas bananas no estômago e apanho o guarda-chuva e abalo.
Fico à espera junto à parede do prédio que dá para a rua. O vento sopra ameno, mas forte. Apesar das ameaças a madrugada está agradável.
O meu amigo chega. Entro no carro. São cinco e dezassete.
A via rápida para Machico está solitária. Uma viatura cruza-se connosco em direcção ao Funchal de tempos a tempos. O céu vai clareando, à medida que vamos ao encontro do sol.
Antes de entrarmos no grande túnel que atravessa a Portela, uma cascata canta no basalto do rochedo e depois melodiosamente se espalha, ao comprido, no leito apertado do ribeiro que se entrega , mais abaixo, a Ribeira grande. Os montes vestem-se de um verde molhado, ainda mais escurecido pela hora em que os vemos, o negro cobre as rochas a pique que descem, quais loucas, em busca da base que as sustentam.
Chegámos ao Porto da Cruz. Não chove. A estrada está seca. e por entre o breu que ainda veste a paisagem descortina-se o Ilhéu, iluminado por focos colocados na costa.
A manhã aquece e povoa-se de gente no adro da igreja. Os quatro evangelistas recebem os crentes e os menos crentes que nesta quadra sempre se envolvem mais nas Festas. Nas floreiras umas luzinhas amarelas e vermelhas suspendem-se dos braços de duas plantas fortes e verdes, clareando o pavimento de calhau rolado do espaço frontal do templo. A missa é às seis horas. O Presépio, já se iniciou na escadaria de acesso ao altar, mas ainda falta muito para estar completo. Um grupo de jovens anima a celebração. Pouco a pouco o templo compõe-se e enche-se. A ladainha começa cantada, depois toda a liturgia segue um ritual próprio. O povo participa. Aqui noto que sendo os cantos os mesmos de outras partes da ilha, seguem uma linha melódica diferente. Junto-me ao coro e adapto-me.
A celebração termina com o canto à Virgem do Parto. Todos cantam e a igreja transpira melodias de mil vozes que, mesmo desafinadas, se encaixam, num hino de louvor à Senhora.
No adro já correm alguns licores e poncha, a que se juntam as broas de mel e de coco, frescas e saborosas povo convive e partilha. Um machete e um acordeão animam a malta que a Festa é tempo de canto. Os mais atrevidos puxam do improviso e irrompem em quadras que encaixam na música, e, como um despique, cada um espera a sua vez de cantar. O brinco está animado e vai animar a manhã até ser dia.
São oito horas. Abalo de regresso ao Funchal.
Começa a chuviscar.
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imagem: http://olhares.aeiou.pt/porto_da_cruz_madeira_foto3203721.html

4 comentários:

  1. Adorei, Jortas! Nunca soube, aliás nunca ouvi falar em Missa do Parto. E você a pinta muito bem; e depois tem a festa, isso é que é bom! De Natal, suponho (missa e festa).
    Meu amigo querido, desejo-lhe Bom Natal e 2011 repleto de momentos felizes.
    Muito obrigada por tudo este ano.
    Beijos,
    Renata

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  2. Obrigado Re.
    As missas do Parto são uma novena que antecede o dia de Natal. Cada dia representa um mês de gestação do Menino.
    É uma tradição genuína madeirense.

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  3. Obrigada pelo texto! Eu tenho vergonha de admitir que, embora sendo uma madeirense regressada à ilha há tantos anos, ainda não fui a nem uma missa do Parto. Podia ter ido contigo, mas lendo o teu texto foi quase como se tivesse ido! mas um dia vou mesmo! 2011!

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  4. Uma coisa que acho interessante é ouvir as pessoas a falarem sobre a escolha da(s) igreja(s) a que querem ir em cada ano ... ou porque seguem a tradição, ou porque lhes disseram que em tal sítio vale a pena assisitir à missa, ou porque os doces e bebidas são melhores aqui, ou porque a animação do adro é imperdível ali...
    Para tanta gente se levantar tão cedo, deve mesmo valer a pena. Já lancei o desafio à DêPê - no blogue da Leonor - para irmos uma vez com um de vocês.

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