
Alguns turistas deambulavam pelos jardins apreciando as cores das flores últimas de Outono que teimam em emprestar aos parques e jardins aromas olháveis e doces de ternura e futura saudade. Os cliques das máquinas fixam para a posterioridade o momento único do repuxo, da árvore da chama da floresta, do rosa florido do eucalipto australiano, das árvores altas e das palmeiras moribundas.
Um paquete enorme, dorme nas águas calmas do porto.
São três da tarde.

Deixo-os à vontade e informo, brevemente, da história do espaço, gesticulando e inglesando as palavras que me faltavam, mas às quais eles magnanimamente sorriem. Depois atravesso o jardim e chego ao grande logradouro calcetado. Estão duas velhinhas sentadas. O ar é agradável e não está brisa. Apenas a velha palmeira deixou cair de exaustão as palmas secas pela acção escaravelhada da imprudência.
-Boa-tarde, senhora Agostinha.
-Boa-tarde. Respondeu sorrindo e tentando afagar o pêlo do cão.
-Então como está?
- Estou aqui, à conta de Deus. Levantou as mãos numa atitude de prece.
-Hoje está agradável de estar cá fora, nem parece Novembro...
-Sabe, é raro este mês ser tão quente. Lembro que era um mês mais frio e com mais chuva. Quando era jovem e tinha chegado há pouco tempo à cidade, este neste mês chovia muito, e até era difícil secar a roupa.
-Outros tempos...
Hoje ela não me apareceu muito feliz. Vestia um casaco de malha cinzento matizado de violeta, da metade esquerda, mas todo violeta da outra metade. Uns botões grandes prendiam-se em duas ou três casas do derreado e usado agasalho. As mãos brancas e lavadas gesticulavam como se quisessem agarrar o tempo, e os dedos menos ágeis curvados como se quisessem arar o ar como a charrua.
-Então como era a cidade nesse tempo?
- Muito pior que agora. Agora as ruas são limpas, e bem cuidadas: há árvores e flores... são lavadas e quase ninguém atira lixo para o chão. Naquele tempo os carros de bois deixavam aquele espaço ao pé do cais cheio de bosta. Aquilo era uma sujeira. Veja que até as abelhas se desviavam, pois aquilo escorregava sobre as pedras da rua. - Fazendo um gesto inesperado e levantando o olhar perdido no baço azul do seu rosto continuou - O senhor é muito novo não sabe o que são abelhas. Eram os táxis que ao trabalharem faziam uma zunida como as abelhas. Havia uns táxis muito lindos junto ao cais. Eram grandes e descapotáveis. Os ingleses gostavam muito de andar neles e nos carros de bois.
-E o como andavam os carros de bois?
- Havia o condutor da junta, vestido de branco, com palhinha na cabeça e botas de atanado, um fedelho acompanhava-o, também vestido da mesma forma, ou não. O homem agulhava os bois que arrancavam vagarosa e tilintantes, sobe a canga de madeira que os prendia. O buzico apanhava os trapos de cebo que colocava, à frente, na direcção dos rastos e recolhi atrás sucessivamente. Os animais não podiam ser molestados, como acontecia no campo. Na cidade eram bem tratados. Por último até estes carros já tinham um balde para recolher a bosta das rezes. Depois desapareceu tudo.
-Na Ponta do Sol também havia juntas de bois?
-Se havia.... Disse com ar de recordação e sorriso infantil - Havia e muitas, mas eram agulhadas e vergastadas. Pobres animais! Nunca gostei de ver os boieiros a castigar os bichos. Eles eram maus… Era o transporte da vila para a serra, donde traziam lenha de conta, e chama para as casas e produtos para o mercado. Havia cangas para várias juntas de bois, conforme o que se ia transportar. No tempo da cana, puxavam corças com muitos molhos que depois chegavam à cidade, ao Hinton. Aquele tempo era mau até para os animais.O povo também tinha a sua canga, andava sempre sujeito aos caprichos dos sonhorios. Eu escapei a isso, quando vim para a cidade, mas a minha família, muita dela trabalhava que se matava.Na cidade também eram juntas de bois que transportavam as encomendas e malas para os hóteis.
Uma funcionária assomou à janela e perguntou se a senhora queria um café.
-Se fizer favor...Podia trazer-me o café?
- Sim, com todo o prazer!
Desloquei-me à janela e recolhi uma xícara grande de café com muito leito e uma toalhinha azul onde se escondia um pedaço de pão integral. Entreguei-lho e logo começou a comer.
As crianças saiam da catequese em alegria e aos pulos, livres daquela obrigação. O Mozart levantou-se e empinou-se na cadeira. D. Agostinha tirou um naco do pão, molhou-o no café e ofereceu-lho. O cão ficou satisfeito.
- Os animais são muito amigos do dono. São mais amigos que muitas pessoas.
- É verdade... Tenha uma boa-tarde e até um destes dias.
- Volte quando quiser, eu não saio daqui e segurou-se à cadeira de rodas.
Avancei para poente, ao virar à direita, olhei sobre o ombro e vi que o olhar da anciã me seguia. As montanhas continuavam cobertas de cinzento e o casario branco, entre os verdes da encosta, pareciam molhados.
Imagens:
http://www.guia-madeira.net/gallery/displayimage.php?album=6&pos=44 http://c.geneal.over-blog.com/article-os-bois-for-a-indipensavel-52185687.html
Gostei! As tuas conversas com a D.Agostinha já davam um segundo livro de Crónicas, a seguir ao das pessoas (de família ou não). Gostei muito da conversa que tiveste, mas também da 'envolvente', da primeira e última parte. Um dos sites das fotos parece mt bom! Thanks! (sobre o princípio do poste, parece-me que há um pormenor 'contraditório' de que depois te vou falar ;)
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