16/07/2010

CADERNO DE POEMAS



Hoje é quinta-feira, entro ao serviço às catorze.
Levantei-me mais tarde, já o sol namora as janelas dos apartamentos e qual marialva ilumina de encantamentos as floridas acácias da rua.
Desço e vou ao café. Encontro marcado. Cavaqueira sobre o estado do País e da Madeira com o meu amigo de todas as quintas e outros dias do ano.
Hoje o tema é a capa do DN.
O café estava óptimo e a conversa também. Da esplanada do café podemos admirar o mar que a demolição do Savoy deixou mais perto e azul.
O tempo passa e pretendo caminhar com calma até à baixa da cidade. As ruas têm muito para ser apreciado.
-Até logo!
- Ou até para a semana. Respondeu-me o Gato com um sorriso maroto.
- Ité um dia destes! Disse pondo-me a caminho.
O sol dardejava. A relva do jardim estava esfitada, algumas plantas meio murchas, outras mesmo moribundas de sede. Numa roseira um botão raquítico esforçava-se por ser rosa. No passeio da rua, frondosas copas de verde, sustinham um enorme tapete de bordadas flores. As acácias estavam mais bonitas que nunca.
A sua sombra flamejante espalhava um odor carmim na brisa leve que corria. As flores indezas, eram varridas por uma empregada camarária. O seu ar irritadiço era sabedor que teria mais trabalho durante os próximos dias.
Caminho observando as flores dos cardeais das sebes, o arroxeado dos tardios jacarandás, as corriolas e buganvílias que se entrelaçam nas vedações ou caem das paredes, os tis enfezados que teimam em ser árvores. A manhã está agradável, apesar do capacete que cobre a encosta.
Ao fundo noto uma figura conhecida. Está sentado no passeio, encostado ao tronco da acácia mais florida. Tem algo na mão e escreve.
Mudo do passeio sul para o norte. Caminho nas calmas. Observo que algumas acácias têm aqui e ali pequenos tufos a abrir. Estou perto.
Ele mexeu-se como se acomodando ao duro assento. Não reparou em mim.
- Bom dia! Disse, ao chegar a menos de um metro dele. Hoje chegou mais cedo.
- Deus nos dê! Respondeu e pousou o que tinha na mão.
Aquele cumprimento fez-me lembrar o Tio António Maneirinha, que sempre respondia às pessoas daquela fórmula. Um dia destes faço uma crónica sobre ele.
- Estava escrevendo alguma coisa?
-Era um poema …
-Voltou a escrever? Ainda bem, é um bom modo de passar o tempo.
- Não, como lhe tinha prometido tenho aqui o caderninho com alguns escritos, não sei se são poemas.
- Estou certo que serão! Disse convictamente
-Quer ler este? Perguntou-me estendendo uma folha de papel que estava solta no caderno
Peguei na folha e reparei que era um poema, falava de uma perda e situava o facto em Novembro.
-Foi escrito numa tardinha, em Luanda. Acrescentou antes de ter acabado de lê-lo.
-Fala de um desencontro…
- Sim foi mesmo um grande desencontro. Tinha tudo para dar certo…
Os olhos azuis aquaram-se e as praias há muito sem marés tiveram -nas vivas e uma lágrima correu pela face barbeada de dor antiga do soldado. As costas ossudas da mão, como remo de pescador, logo as secaram. Mas a voz embargou-se-lhe na garganta:
- Foi realmente uma tarde triste aquela. O pai dela não deixou… Eu bem esperei.
-Deve ter sido doloroso!
- Foi, mas já passou. Olhe, agora tenho que ir. O almoço está pronto e a minha irmã não gosta de esperar.
Levantou. Só então reparei que estava descalço.
- Então não calça os sapatos?
- Não! Preciso descarregar as energias negativas. Faz-me bem sentir o chão. O senhor deveria andar descalço. Ajuda a emagrecer e activa todos os órgãos do corpo. É muito bom.
- Já li algures sobre isso. Não quer o seu poema?
-Não. Fique com ele e com o caderno. São para si.
- Obrigado!
Debaixo das acácias floridas estendia-se um volátil  aroma carmim, o soldado caminhou no meio dele e sentiu o calor do passeio quente que lhe sugaram toda a negatividade da memória. Fiquei folheando o caderno encostado à acácia. Estava absorto quando ouvi:
-Até logo. À tarde falamos melhor. - Disse erguendo o braço direito em aceno.
O velho soldado entrava no estreito bêco a caminho do almoço. Lembrei-me, então, de usar o telemóvel e tirar uma foto à linda acácia onde nos encontrámos.
A manhã tinha dado lugar à tarde. Abiquei-me a caminho do centro da cidade
.

7 comentários:

  1. Bela crônica...bem grafada.
    Bjs Jordas
    Mila Lopes

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  2. Olá!
    Gostei muito de ler-te.
    Tenha uma noite de paz.
    Com carinho, Lady.

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  3. Olá, amigo. Venho desejar-lhe um Bom fim de semana!!!

    Ó Força Procriadora!
    Pai-mãe do Cosmos,
    Focaliza Tua Luz dentro de nós, tornando-a útil.
    Cria teu reino de Unidade, agora.
    O Teu desejo Uno atue então com o nosso,
    Assim como em toda luz
    E em todas as formas.
    Dá-nos todos os dias o que necessitamos
    Em pão e entendimento.
    Desfaz os laços dos erros que nos prendem,
    Assim como nós soltamos as amarras
    Com que aprisionamos
    A culpa dos nossos irmãos.
    Não permitas que as coisas superficiais nos iludam
    Mas libera-nos de tudo o que nos detém.
    De Ti nasce toda vontade reinante,
    O poder e a força viva da ação,
    A canção que se renova de idade
    em idade e a tudo embeleza.
    Verdadeiramente – poder a esta declaração -
    Que possa ser o solo do qual crescem
    Todas as minhas ações. Amén.
    Orações do Cosmos

    Pai Nosso
    do aramaico
    Trad. por Sabira Christina e Lourdes Cordeiro

    Beijos*
    Renata
    Hoje não dá pra ler, sorry*

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  4. Como diria a Agapê, as sinestesias do Jordas, temos de lhe perguntar como é que ele as cria... Gostei, voltarei, e fico à espera da crónica prometida (do Tio António Maneirinha)! Thanks.

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  5. Meu amigo, venho dar-lhe um beijinho, porque não sei quando volto. Não estou bem. Desejo a si e aos seus tudo de bom*
    Até já e muito obrigada.

    Já chorei vendo fotos e ouvindo música;
    Já liguei só para ouvir uma voz;
    Me apaixonei por um sorriso;
    Já pensei que fosse morrer de saudade;
    E tive medo de perder alguem especial... (e acabei perdendo)
    Já pulei e gritei de tanta felicidade;
    Já vivi de amor e fiz muitas juras eternas... "quebrei a cara muitas vezes!"
    Já abracei para proteger;
    Já dei risadas quando não podia;
    Já fiz amigos eternos;
    Amei e fui amado;
    Mas tambem já fui rejeitado;
    Fui amado e não amei...
    Charles Chaplin
    Renata

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  6. Só o Jordas compreende o significado desta lista: cartões do raspa, bilhetes de autocarro, mais umas 4 variedades de bilhetes, tudo em montinhos organizados. Isto do lado da perna esquerda. Do outro lado, um monte de jornais, 4 pilhas e uma rolha em pé, um monte de restos de beatas e uma chucha! A conversa sempre a mesma: a fazer tempo para levar os jornais à irmã 'a ver se fica mais instruída' ;) Senti-me culpada de ter interrompido a beata que tinha menos de 1cm e foi atirada ao chão no meio da conversa...

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  7. Olá.
    Já estive aí há muitos anos, andei de ponta a ponta, conheci meio mundo, adorei ter o mar sempre perto da porta ou janelas...pois vivi desde menina perto do mar..e a saudade vai doendo.
    bela crónica de uma manhã na esplanada..ao pé do mar.
    Um beijinho da laura

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