21/02/2010

A noite estava fresca.
Descia a rua despreocupado do tempo.
O céu apesar de limpo deixava a lua, em crescente, sorrir coroada de nebulosa tiara. Estava ligeiramente fresco. As serras, lá no alto, estiveram branquinhas e solarengas durante grande parte do dia.
O cão saltitava à minha frente, farejando todos os cantos e troncos das jovens árvores. Algumas folhas resistiam à breve brisa que passava, o ar era fresco e aromático. Daquele aroma de terra muito molhada.
De repente um melro de bico amarelo cortou a rua, num voo rasante de caça, e entre a ramagem escura da quinta escondeu-se em chilreio atrevido.
Ao fundo da rua descortinava-se um vulto de homem, curvo e fumegantemente pensativo, sobre a mão esquerda apoiava o queixo magro, barbeado, vincado pela velhice precoce, ou pela angústia que nenhum psicólogo explica sem falar em trauma de guerra.
O cão dava força ao fio da trela, louco por marcar novos território. O homem baixou-se, abandonada aquela posição rodiana de pensador e, usando a sua perícia de assobiador, atirou ao animal um silvo de atenção. O cão parou, voltou-se, olhou para mim, depois para ele, e aproximando deixou-se afagar.
Aproximei-me e cumprimentei:
- Boa noite! Então, ainda por aqui.
Ele esqueceu a pergunta e disse:
- Está fresco, gosto das tardinhas frescas, sinto o frio da neve lá dos montes. ergueu os olhos como se os visse por entre o negrume que como pano de palco escondia o cenário.
- Esta tarde ainda se viam uns cumes brancos.
-E se olhar para a lua, ela anuncia chuva. Vê aquela coroa? Aquilo não é bom!
Não liguei àquele augúrio. O cão continuava feliz com as carícias do velho soldado e deitando a língua de fora, agradecida, ou estendia a mão, em busca de mais afagos.
- É melhor recolher-se, parece que vai chover.
-Sim e da boa, pode ter a certeza, mas estou esperando uma pessoa. Não falta muito e vou para casa.
O cão deixou-o e continuou marcando espaço territorial, enquanto eu segui o meu passeio.
Regressei a casa, passada uma hora, já chuviscava, quando introduzi a chave na porta do edifício.
Altas horas da noite, acordei. A chuva batia como pedras na vidraça da varanda.
- O soldado, também percebia de meteorologia. - Disse para mim.
Depois...
Depois foi o que se seguiu e abriu muitos telejornais pelo mundo.

4 comentários:

  1. Tenho pensado nele... Talvez, pelo seu conhecimento de meteorologia e pelos horários que fazia, à hora da tragédia estivesse ainda deitado - oxalá que sim!

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  2. as imagens da cronica são lindas
    Pena o fim...

    E a musica embala tantas sensações, intensa!

    beijos!

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  3. Ele, apesar da desgraça, continua na nossa cidade!

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