18/10/2009

Ao sol de Outono

São dezoito e quinze, mais minuto menos minuto, estou de regresso.
A virgem passou branca e florida na Avenida Luís de Camões secundada por uma nuvens de motards, que polvilhavam a artéria como uma banda de motores afinados, qual orquestra de percussão.
Os raios de sol amaciavam as folhas outonais das árvores e pareciam incendiar as flores de outras. A tarde declinava grávida de cor, a sul, mas, a norte, o cinzento aplanava as montanhas.
Caminhei pela rua, passeando com o Mozart, despreocupado, mas observando a viçosidade das acácias e os seus alpendres enramados de longos braços sobre os largos passeios.
Lá estava ele!
Hoje, mais velho, mais curvado, mais magro e sobretudo menos limpo. A bolsa tinha um garrafa de coral e os jornais do dia.
As suas mãos trémulas brincavam com cartões do raspa, parecia agrupá-los por séries, números… Não me apercebi. Era um jogo que só ele conhecia as regras.
Passei, dei a boa-tarde,de sempre, mas ele apenas olhou o cão e retribuiu, sem deixar de agrupar os diferentes cartões de séries de raspas usados.
O sol dourava-lhe o cabelo grisalho e desalinhado, as botas eram castanhas e o pulôver, outrora cor de vinho, estava agora desbotado, ainda que os raios de sol lhe dessem uma vivacidade outonal.
Fui até ao fundo da rua e voltei. Frente à Escola dos Ilhéus, uma planta florida exalava um odor doce e feminino. Muito agradável!
O velho abacateiro estava pleno de frutos, redondos, bem lisinhos e com matizados verdes, enquanto a estrelícia gigante observava do seu leque os recintos desportivos e os carros estacionados na rua, mas toda a sua atenção estava centrada nos frutos do companheiro de longa data, e nos sue frutos.
A buganvília trepava pachorrenta a rede verde escura, dando-lhe matizes de roxo e vermelho.
A tarde estava caindo lentamente.
O velho soldado já lá não estava.
Subia, agora, em direcção à rua de cima, inclinado para a frente, com passos custosos e incertos, lentos como a brisa que passava e mal movia as folhas das acácias.
A tarde continuou caindo.
É quase noite.
Da varanda do meu ninho, descortino o velho soldado, andando em direcção à Avenida Luís de Camões, vagaroso, como quem tem todo o tempo do mundo ou vive um tempo que não é o seu.
Vai em busca do sol que lhe fugiu por entre as mãos .
O importante é ele apareceu.

3 comentários:

  1. Sim, o importante é que ele apareceu ;)
    E já confirmei que gosta mesmo de ler... "Gosto de ler... qualquer coisa..." Este fim-de-semana vou juntar revistas do Expresso e outras leituras para o teu soldado ;)

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  2. E as conversas continuam ;) Sim, esteve em África e África é um dos culpados da tragédia de mais uma vida que descarrilou a meio do percurso (informações dadas por uma pessoa de família...) Apesar da gravidade e tristeza da situação, gostei da conversa com o soldado-leitor por entre os sacos de garrafas e de revistas e os raspas a transbordarem dos bolsos do casaco...

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  3. Tu bem dizias que havias de falar com ele...

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