02/09/2009

O FUTURO DO PAÍS



São vinte e duas horas, dia dois de Setembro. Não sopra qualquer brisa. O céu está escuro. O casario que sobe a encosta lampeja de brilho. Os carros passam distraídos e adormecem as árvores das ruas.
Junto à bomba da Galp estão algumas pessoas. Falam. Entre elas está um idoso: Calça cinza e camisa branca lavada. No saco traz alguns jornais, um livro de Manuel Tiago, e um pequeno rádio de pilhas.
- Aquele debate? Qual debate! Aquilo foi um teatro de terceira.
- Ó homem, então não viste o Portas a dar-lhe? - Questionou outro.
- Tás a gozar comigo, o nosso primeiro estava lá todo engomadinho, vestindo Boss. Largou no Portas ao comprido! - Gracejou um dos amigos mais novos.
- O que eles querem é poleiro como os galos. - Afirmou, categoricamente, o leitor de A Estrela de Seis Pontas - depois de terem o galinheiro depenam as galinhas, uma a uma. Malditos políticos! Eu conheço-os bem... Para os velhos não fazem nada. Até nos roubam a reforma, obrigando-nos a pagar, mais uma vez, IRS. A reforma não é um rendimento.
- É verdade!... - disseram os outros.
- E tu, deixa de defender o engenheiro engomadinho. Ele não te dá nada. Se puder até te tira a reforma. Tu afinal ainda podias estar no activo.
A conversa continuou animada durante mais alguns momentos. Cada um puxando pelo seu ponto de vista.
Continuei a minha caminhada solitária. A conversa dos anciãos martelavam-me o pensamento. Afinal não passara despercebido o debate na TVI.
A rua estava escura e os turistas eram cada vez mais escassos.
A Ponte do Ribeiro Seco deixava escondidas as alturas e a escuridão estendia-se de negro pelo vale, entretecendo as sombras das árvores da Quinta Magnólia. Um ambulância passou. Luzes azuis ligadas e pressa nas rodas que chiaram na curva. Um melro preto atravessou a rua em voo rasante e empoleirou-se num ramo seco de uma magnólia.
Regresso a casa pelo lado norte da Ponte e vou em frente até o Jasmineiro. Subo a rua e atravesso a Coronel Sarmento. Uma planta de jardim, muito florida inunda a noite de perfume, aveludado e gostoso. No canto do costume está o velho soldado de África. Rádio ligado. Baixinho. Ouve-se uma música da saudosa Amália. Lê, debaixo da luz mortiça do candeeiro público, Manuel Tiago.
-Este sim foi um político de convicção. Não era dos meus, mas era um homem com coluna. - Disse ao me ver aproximar.
- Boa-noite, está tudo bem?
- Viu aqueles dois na tv? aquilo foi uma fantochada. Aquilo não é nada. Aqueles senhores não apresentaram uma única ideia para mudar Portugal!
-Desculpe, mas não vi. A Tv dá-me sono, e a política é uma grande porca, como a representou Bordalo.
- Mas devia ver. Afinal o senhor é responsável pelas gerações futuras. Não pode deixar de ser um cidadão interessado. Falaram de educação, mas não percebem nada. Nem educados foram em relação às regras. Agora percebo o que acontece nas escolas, nos autocarros. A juventude só vê maus exemplos... E a educação é, antes de tudo, uma forma de ser e estar. Hoje a juventude vive de costas voltadas para os velhos. A experiência deixou de ser interessante.
- Pois, mas não tenho pachorra. Este país perdeu a ambição, e os meus sonhos não passam por cá. E há muito que voaram daqui.
-Aquele senhor, que parece ser ambicioso, afinal é um medíocre. Veja que ele apenas deseja que os portugueses atinjam o 12º ano. Mas onde anda aquele político, que dizem ser sexy? Para que serve o 12º ano? Para varrer as ruas e ser biscateiro!
- Então, são os políticos que elegemos? Os que educámos...
- Sim, somos responsáveis, mas este está lá e governa com maioria, como se tivesse tido o aval de mais de 50% dos portugueses. É falso! Isto só está bom para eles. o voto deveria ser obrigatório. E depois se veria.
- Bem, e aquelas estórias que tinha para me contar?- Tentei mudar o tema.
- Tenho-me esquecido de procurar os caderninhos... não está esquecido.
- Boa-noite.
O cão entrara numa caldeira e urinava junto ao til jovem.
Agora uma leve brisa beijava as folhas tenras das acácias. O céu estava mais cinzento, e a lua espreitava por entre uma nuvem menos espessa.
- Lembre-se - gritou o homem, levantado, como um Velho do Restelo, o cansado braço direito, apoiando-se ao suporte do candeeiro público - quando os políticos dum estado esgrimam e argumentam com factos do passado a sua posição, e não debatem ideias para o futuro, esse pais está condenado ao fracasso.
Voltei-me e, acenando com o braço, anui.
- Portugal continua um país adiado! - Disse com o desepero dum náufrago da guerra.
E a noite ficou mais escura.

3 comentários:

  1. Não vi o debate. Qual deles não quis falar do futuro? Ou quem preferiu lembrar o passado? Portas? Os dois? Sócrates, tipo "O sr. quando lá esteve..."? Portas, tipo" Os portugueses sabem que durante estes 4 anos..."?

    ResponderEliminar
  2. Espero que estejas a organizar a obra... O título já está: "O Soldado de África"... E capítulos já tens muitos ;)

    ResponderEliminar
  3. Jordas: já sei mais coisas 'verdadeiras' sobre o teu Soldado... terça conto ;)

    ResponderEliminar