21/08/2009

Solitariamente só

São 21:42:41, deste festivo dia da cidade. A rua está deserta e quente. Ouve-se a voz da solidão caminhando na sombra das acácias, esgueirando-se atrás dos jacarandás, inebriando-se no perfume dos tis, ou acariciando, ao de leve, os jasmins e trepadeiras dos quintais. O céu está claro e cintilam estrelas, sempre novas, no firmamento.
A rua é um deserto de calor e viceja de verde. A rua é a rua da solidão de todas as tardes e noites do velho soldado.
Sentado no patamar do prédio mais in da rua. Aperta entre as mãos as memórias do passado, de tronco curvado para o presente, sozinho, encarando o desconhecido amanhã. Ao lado está o saco carregado de revistas e livros. Um está marcado e fechado ao lado direito do homem: Lágrimas Correndo Mundo. A marcador está para além de meio.
Passo, mas o homem nem se mexe, o cão ladra, mas ele continua sereno, mergulhado no desfiladeiro da sua angústia e apenas balbuciou:
- Boa-noite.
- Boa noite. -Respondi, e continuei o meu passeio .
Na rua dos Jasmineiro, pude ver a solidão da tarde invadindo a cidade. Não circulam carros, não caminham pessoas, e até os cães, que sempre ladram à minha passagem, estão calados.
A cidade estava toda na Baía, nos cortejos festivos, nos jardins , ou nos bares e cafés esperando pelo fogo festivo.
Na Avenida do Infante, jovens e menos jovens aceleravam para o Parque de Santa Catarina, para os muros da Avenida do mar, ou para um lugar estratégico. Ali a cidade está viva, circula, “gafeja” de actividade. As luzes estão claras e fortes, e as árvores, possantes como gigantes de braços enormes, abraçam-se em ramos esguios sobre o negro da via, formando arcos de catedrais da imaginação.
A cidade vive um dia diferente.
Registei o bulício da noite e continuei o meu passeio. Dei a volta ao quarteirão, fui até à Ponte do Ribeiro Seco, pelo passeio sul da Avenida, e regressei pelo lado norte. Subi a Rua do Infante Santo, e, no cruzamento com a Tenente Sarmento, olhei à direita e o homem tinha desaparecido. Apenas restava a solidão enorme que enchia a rua de nada.
Se calhar foi arrastado pela solidão da rua. Talvez foi submergido pelo frenesim de ver as cores do fogo, sempre fugidias dos seus sonhos de idoso.
A noite caía, sombria de luz, solitariamente, como um homem perdido e triste no dia mais importante e festivo da cidade.
Quantos velhos, como ele, estariam, àquela hora, na mais profunda solidão? Vivendo numa cidade festiva de multidões solitárias que procuram no barulho esconder a própria solidão.

1 comentário:

  1. Estou tão longe, mas o teu poste levou-me até à minha rua com sentimentos mistos de alegria e tristeza... Descreveste-a como ela é nos dias mais 'parados' e agradáveis do Verão, mas aqora com um elemento humano que quanto mais conhecemos, mais vai exigindo de nós: podemos fazer alguma coisa? Como se resolvem tantas solidões? Mas será mesmo um problema de solidão?...

    ResponderEliminar