O Sr. José, mais conhecido por
José semilha, era um homem bem constituído. Corpo entroncado, umas mãos enormes
e um olhar forte. O cabelo sempre puxado para trás, num alinhamento frugal de fazer inveja aos utilizadores abusivos de gel. Lembro-me dele, era eu ainda garoto, quando, ao domingo, o
encontrava pelas abas do mercado da vila. Sim! Porque nesse tempo Santa Cruz
era um lugarejo com um aeroporto pequeno, e uma praiazinha incipiente, onde os
sorvetes do Matos deliciavam os rostos de sorrisos nas tardes quentes de Estio
Ele era o funcionário da Câmara de Santa Cruz responsável pela salubridade do
mercado municipal. Vivia no sítio das Levadas. Pai cuidadoso, apesar das
dificuldades do tempo e da vida. A vida não era fácil por aquelas bandas, nem por
estas, e as leiras iam dando para compor a mesa, aliado ao magro salário. Aliás
os salários eram bastante magros, mas eram bem geridos.
Mais tarde reencontrei-o como
responsável pelo mercado do peixe, donde o Bráulio França, seu superior
hierárquico, emitia, pela manhã, para as frequências radiofónicas os preços do
peixe e de alguns legumes, sempre feliz e gracejando, dando a conhecer pequenos aspectos da freguesia e do concelho. A sua voz era cava e pausada, ao contrário do
ácido e estilete ritmo dos pregões: “ Peixe- espada fresco; eh cavalinhas do
alto. Fresquinhas da noite!” e tantos outros que o tempo levou no olvido dos
anos.
Quando o mercado fechava, lá
estava o José. Vestido a rigor na ganga azul, tipo sarja, calçado das botas
grandes de água, mais parecendo um enorme castanheiro assente em hercúleas
raízes, segurando a mangueira com grande pressão, mas com a delicadeza dumas
mãos experientes e calejadas, com a qual procedia à limpeza daquele espaço,
após ter sido varrido e ensaboado.
Era um homem forte. Tinha uma
presença imponente. Penso que um movimento do seu braço colocava a brisa em
vento. Nunca o vi aborrecido. As suas palavras eram poucas, mas comedidas e
pesadas na justeza dos seus significados.
Às vezes, passava pelo grémio,
onde eu trabalhava, perguntando pela minha família, inteirando-se dos adubos e
dos fitossanitários para combater as pragas das suas plantas ou mesmo apenas
para matar o tempo, enquanto esperava para lançar mãos à limpeza do mercado.
Lembro-me de certo dia me ter
comentado que Portugal era um país com futuro, mas que era preciso saber gerir
bem a riqueza e o que se produzia, caso contrário ainda ficaríamos piores do
que no tempo do Salazar que o tinha mandado para a guerra.
O tempo passou e eu deixei de ter contacto com o Sr. José Semilha, soube depois que tinha falecido. Hoje deveria
andar pelos 80 e poucos anos, pois é ligeiramente mais velho do que o meu pai.
Às vezes recordo a sua figura
forte e imponente subindo as escadas do mercado, ou da sua mão pousada na
esquina da porta lateral que dava para a rua da praia, ao lado dos trabalhos de
António Aragão, como se ele fosse o contraforte duma enorme catedral gótica.
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