08/04/2012

As Haleluias

As orquideas enchiam o trono, onde um foco intenso  dourava as já douradas talhas da capela. No alto, como se dum tesouro se tratasse, estavam os cálices com hóstias consagradas e uma custódia de ouro e prata com a hóstia consagrada. 
Entravamos na igreja, ja à pinha de crentes que rezavam. Era o Sábado de Haleluia.A penumbra era o tom mais permanente do templo. Nós esperávamos ansiosos pela cerimónia do fogo novo e do acender do Círio Pascal.
As luzes ficavam apagadas e a luz da enorme vela com as letras gregas e as cinco chagas de Cristo era levada da porta da igreja, pela nave central, até ao altar-mor. A igreja enchia-se de luz com a propagaçãodo fogo novo a outras velas que se acendiam ao longo do percurso no símbolo da Ressurreição e logo era partilhada a outras.
Por fim o enorme luzeiro no centro acendia-se em ensoleirado e forte astro e as sombras davam lugar à Luz.
Descerravam-se os altares e flores amarelas, brancas e vermelhas anunciavam o Haleluia do Salvador.
No Domingo de Páscoa as ruas da pequena vila enchiam-se de aromas de piorno, mostarda, alecrim, rosmaninho, giesta, acácia , japoneira, pétalas de rosa e cravo, glicineas, e das boquinhas de peixe, entre tantos outros odores, que se despegavam de mansas mãos de crianças, vestindo seus fatos angelicais, que as retiravam dos enormes recipientes de prata levados por dois ou três homens bem constituídos.  Logo atrás seguia o pálio festivo, e o vigário segurava entre as mãos e a capa cerimonial a custódia. Os que estavam vendo passar a procissão ajoalhavam, benziam-se e em sinal de reverência baixavam a cabeça.
A banda tocava aleluias e glórias ressuscitadas cada ano.
A Pácoa tinha, para além das amêndoas, estes odores de flores frescas, pisadas pelas ruas de Santa Cruz.
Não era proibido colorir as pedras negras dos caminhos, até porque o cortejo era sempre iniciado por dois polícias, de cabeça descoberta, que seguiam aprumados no seu fardamento de festa à cabeça do cortejo.
As ruas ficavam amarelas dessas flores silvestres que anunciavam a primavera e que nós chamávamos de aleluias.
Hoje o piorno desapareceu, a mostarda que crescia despreocupada nos baldios pios das costeiras desapareceu, as Bandejas de prata desapareceram, as criancinhas já quase não aparecem  nas procissões. Jovens onde andarão? E é ver um conjunto magro de capas  descer as ruas ao redor do restaurado templo, carente de renovação como o monumento.
Há outras formas de viver o Sagradao, mas a tradição esvai-se como vinho em barril esvaido.
Recordo com saudade as Haleluias e as aleluias, essas flores que tinham um aroma que trago amarrado às recordações de menino.

1 comentário:

  1. Adorei o seu texto. Algumas tradições vão ficando apenas nas nossas memórias.
    Bom domingo e uma semana maravilhosa.
    Beijinhos
    Maria

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