21/02/2012

AMIGO CÃO


A tarde descia lentamente sobre as ruas da cidade. Ao longe um azul e claro céu deixava  que os montes se bronzeassem no dourado poente de mais um dia de Janeiro. Um frio fino e aguçado parecia entrar por entre os tecidos e chegava aos ossos como agulhas de suplício. A cidade estava lenta como o caminhar do meu amigo, que a passos de pachorrenta monotonia, contava as pedras do passeio. Ele não tinha pressa. O amanhã podia esperar. Ela estava sempre em estressante correria, como se o ontem lhe tivesse fugido.
Um carro buzinou e ele, como se nada fosse, continuou e, sem olhar, atravessou a estrada. Do outro lado da rua, um cão. Tão abandonado como ele, fazia tratamento de manicure, raspando as patas traseiras nas ervas que adornavam de vitalidade os intervalos mortos da calçada.
A mão experiente e vazia  acariciou a cabeça do animal que logo abanou o rabo de viva alegria. Ele encostou-se ao muro e o cão trepou pelas suas pernas e encostou, como criança a cabeça . Ele carinhosamente, afagou-o e disse por entre a dor e a desilusão:- Ao menos tens-me. Eu respeito-te e tu respeitas-me. Eu tenho-te, mas és um cão vadio e um destres dias abandonas-me como os outros cães me deixaram. Já foi há tanto tempo, mas sinto-o todos os dias. Depois de servidos mandaram-nos embora como se fossemos um "gameço"(1) . Abriu o saco e de entre as revistas e jornais tirou algo que deu ao animal. O cão, de pelo acastanhado, quase mel floral, e curto sorriu na sua dentuça branca e aguçada e logo se entreteve com o osso, deitando-se não muito longed dos pés do velho soldado.
Um carro passou e o condutor, deitando a mão fora da janela , gritou:
- O Zé Manel, tudo bem?!
- Ele levantou a cabeça obsorvido pela intrincada forma como o cão se deliciava com o osso e com um braço desiludido pareceu cumprimentar com um  assim-assim!
O frio estava mais intenso e ele aconchegou o velho Kispo à garganta. O cão como percebendo, levantou-se e deitou-se sobre as velhas sapatilhas. O Soldado estava sentado nas sombrias e pensativas palavras que como íngreme escada o levavam a casa. A sua casa era África , donde, como me disse tantas vezes, nunca regressou.

1 comentário:

  1. Quase um ano depois, um texto aqui no Cronicando: não podes deixar passar tanto tempo... corres o risco de perder a personagem :( Continuo a vê-lo e a sentir espanto por alguém que tendo tão pouco tem tanta coisa (aparentemente...) E tu consegues mostrar tão bem isso! Ficamos à espera do próximo texto ;)

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