21/01/2011

A CURVA DA RUA

O velho estava lá.
Na sombra da enorme figueira da Índia que se projectava contra o muro, esmagando-o de solidão. Era já noitinha. No ribeiro o cantar da água desaparecia sob o ruído dos carros que circulavam alheios ao homem, alheios à noite que caia, alheios ao céu claro, alheios à lua cheia que preenchia de prata as sombras do vale apertado que o velho apreciava com a simplicidade duma criança.
A sacola com alguns pertences ficou sob o assento, onde uns azulejos sanguíneos dão ao grande muro a frescura de limpeza; As buganvílias trepam vermelhas as armações em madeira que dão para o horizonte marinho ou a mata de pinheiros esguios do outro lado do ribeiro. Ele olhava com atenção extasiada tudo o que o rodeava, menos quem passava. As suas mãos acariciaram um cão rafeiro que passou, como se o animal o conhecesse, depois ficou por ali a rondar o velho, depois de ter levantado a perna no tronco da velha figueira. Aproximando-se do velho, levantou as patas dianteiras e sob os joelhos cansados do homem, parecia ser feliz. O velho sorriu. Abriu o saco, afastou qualquer coisa, depois retirou de entre um pano, um pão que partiu e estendeu um naco ao animal que logo o apanhou, e, com seus alvos dentes afiados, tragou com gratidão.
O velho sorriu e disse:
- Então, nenhum de nós ficou mais pobre. Eu ganhei um companheiro e tu ganhaste uma refeição.
O cão lambeu as mãos escuras do velho e pareceu sorrir de entendimento.
A noite adensara-se e nuvens apressadas cobriram a lua que mesmo assim teimava em pratear, fintando o algodão celeste, as copas altas das árvores. O velho levantou-se, lentamente, e, a passos curtos, encetou outro percurso. O cão caminhava a seu lado como se sempre tivesse sido seu companheiro. Atravessaram a ponte e perderam-se na curva da rua.
O que aconteceu depois? Só a lua o sabe.


3 comentários:

  1. Um texto pintado com letras de belas cores.
    O velho, o cão e a Lua...dividem entre si o que tem e seguem o destino dos seus dias pelas curvas da estrada, no tempo...........

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  2. Belo texto...produz uma fabrica cinematografica dentro da mente...
    Bjosss

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  3. Já tinha saudades desta história. A personagem cada vez mais curvada, mas continua a apostar na vida. E o teu texto, como sempre, lê-se com sofreguidão. Obrigada!

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