12/07/2010

ACÁCIAS EM FLOR

Apertando as mãos, nervosamente, ela olhou-o com timidez e alvitrou:
- Vais hoje ao cinema?
- Não. Respondeu secamente, olhando com ausência os cachos de magnólia que caiam, enforcados, do varandim verde-escuro da cerca do prédio.
- Então, não tenho companhia para esta tarde?! Acabou dizendo com a solidão estampada num forçado sorriso.
- Quero paz! Só isso… deixa-me ficar aqui. Aqui onde as acácias explodem em vermelho de cor e saudade da savana africana.
- Novamente África, Manel … Esquece essa desgraça e vem comigo ver o Mr Bean em Nova York. Aquele filme que  nos fez rir imenso. Precisas de rir!
- Não. Preciso ficar aqui. Preciso sentir a os aromas alegres de África. África não foi de todo má. As acácias e a sua cor de sangue recuperam a minha juventude. Elas trazem plantada a minha juventude, e os sonhos que não perdi, apenas não se realizaram.
Ela meneou a cabeça vencida.
- Deixa-me aqui, disse vincando as sílabas. Aqui porque estou lá. Além de mim.
- Até logo. Não fiques a apanhar o frio da noite. Recomendou. Vai cedo para casa. O jantar vai ficar no fogão.
-Tá bem! Eu vou. Não te preocupes.
Ela subiu, com ar vencido, a rua, onde ainda se projectavam am sombram arredondadam das planícies africanas. Na esquina virou à direita e desceu a escada para outra rua. Ele ficou lá, sob os cachos das magnólias, mas não as olhava. Os seus olhos trepavam o tronco liso e macio das acácias e pousavam no ninho de flores vermelhas daquela tarde.
Algumas pessoas passaram e olharam, de lado, o homem encostado ao ombro amigo da árvore. As suas mãos, vazias, acariciaram o tronco como se afaga uma trança da amada e, do azul lavado do seu fato, o corpo endireitou-se num esforço jovem, e um beijo escorregou dos seus lábios sedentos.
-Tenho saudades … Murmurou, e logo duas lágrimas espreitaram das janelas verdes do seu olhar. Levantou o braço cansado e um mapa africano se desenhou na manga azul do casaco, íntimo, de muitas tardes de solidão.
A tarde ia larga.
Os passos lentos da sombra caiam nos raios dourados do poente, e o velho soldado trepava as sombras da calçada e dirigiu-se para casa acompanhado pelo braço amigo da memória negra das matas paludais duma África sanguinolenta.
O vulto de um homem normal desapareceu na curva dum bêco.A sua alma ficou vagueando pela brisa florida da rua, como um aroma distante e quente.
- Até outro dia. Disse a acácia que fica mesmo em frente. Aquela que ainda não conheceu a dor da floração.
A rua, apesar de florida, estava deserta, Savanada.

5 comentários:

  1. Adorei tua crônica, logo estarei voltando com mais calma para apreciar sua grafia.
    Te encontrei em blogs amigos.
    Bjs
    Mila Lopes

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  2. Gostei da crônica, Jordas. Criei imagens.

    Beijos.

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  3. Olá Jordas! Obrigado pela visita e mais comentário, e palas palavras também, a globalização tem-nos tirado algumas coisas, espero que não nos tire muitas mais.
    Parabéns pela sua crónica.

    Um grande abraço,
    José.

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  4. Jordas

    Um belo conto com sabor a África, com o seu cheiro a savana. Passa um pouco pela África martirizada pelas guerrilhas, um tema sempre alicante. Confesso que apreciei muito ler.
    Abraço

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