A manhã espreguiçava-se, fresca e dourada, estendendo-se em véu sobre a cidade e os jacarandás floridos da avenida. No lago do Parque de Santa Catarina, três cisnes brancos nadam despreocupados, e os pombos saltitavam, por entre as plantas que bordejam a lagoa. Uma magnólia aberta polvilhava-se de pigmentos dourados, encostada ao lampião, esplêndida e aromática, branquejando o verde lustroso das folhas.
- É uma flor muito bela, mas de vida muito curta! Ouvi a voz experientemente pausada de um homem idoso.
Era ele, barbeado, bem vestido e radiante como o sol que se enamorava das flores. Um sorriso largo de simplicidade no rosto vincado do tempo.
- Bom dia, como está?
- Feliz, com um dia destes...
- Realmente é uma flor bela, duma brancura singular.
- É breve como a juventude!
E ficou ali olhando a flor e um melro que saltitava de ramo em ramo nas canforeiras da entrada do parque.
Desci até ao relvado verde e regado que se abre sobre a cidade, aos lados, os jardins coloriam-se de muitas e variadas flores.
Parei junto à mais antiga capela da ilha, fotografava algumas plantas, quando uma mão ossuda me pousou no ombro direito.
Parei junto à mais antiga capela da ilha, fotografava algumas plantas, quando uma mão ossuda me pousou no ombro direito.
- São como a juventude. Belas, viçosas, mas com uma existência muito curta.
- É pena... Disse melancolicamente.
- Não se lamente. Aprecie a doçura dos frutos que virão! Neste mundo tudo tem uma função e uma razão.
- Será?
- Viu a elegância dos cisnes? O arrulhar dos pombos? Sentiu o perfume das magnólias? O vislumbre daqueles jacarandás?- e apontou para a enorme mancha roxa que observava a avenida.- Pense como todos eles têm o seu espaço e a sua beleza. Como sem eles esta cidade seria menos bela!
- Tem muita razão. A sua experiência de vida permite-lhe ver para além das coisas.
- África. Foi lá que aprendi a valorizar as pequenas coisas, os detalhes. Lá tudo era importante... era muitas vezes a diferença entre continuar vivo ou ficar entabuado.
- Deve ter sido uma experiência triste essa da guerra? Perguntei a medo.
- Foi uma experiência. Foi a que me coube. Outros tiveram pior que a minha!
Sem querer, caminhámos até ao varandim que dá sobre o porto. Nenhum navio.
- Sabe a vida é como um navio. Tem um destino traçado, mas muitas vezes a rota tem de ser alterada.
Eram nove horas. Estava atrasado para um compromisso.
O sol estava radiante mirando-se, prateado, no azul das águas marinhas. O velho pareceu-me entretido com o quadro.
O sol estava radiante mirando-se, prateado, no azul das águas marinhas. O velho pareceu-me entretido com o quadro.
-Até logo. Tenha um dia feliz.
Ele murmurou um “até mais” e ficou, petrificado, olhando o mar e a rota antiga de um navio que o levou a África.
Já há algum tempo que não passava por aqui.
ResponderEliminarGostei do texto. Uma narrativa no presente com um perfume de um passado recente nas memórias.
A forma literária arrasta-nos suavemente na contemplação dessa paisagem encantadora.
Não conheço a Madeira.
Está nos meus projectos, mas pelo que ouço e leio e agora pelo teu texto, é um jardim que nos seduz em todos os cantos e recantos
Eu conheço o parque e as suas personagens e flores e, por isso, fico abismada quando leio estes textos ;) Parabéns! Sobretudo a 'entrada' do texto está fabulosa! 'A manhã espreguiçava-se...' Gostei muito! E muito mais havia a dizer...
ResponderEliminarOs jacarandás já estão floridos aí? na minha rua estão tão atrasados...
ResponderEliminarBjs
Olá Jordas,
ResponderEliminarVim agradecer sua visita e te confessar que fiquei emocionada com este texto, parabéns pela escolha...
Abraços
Olá!
ResponderEliminarVim conhecer seu espaço.
Que belíssimo texto acabei de ler, cada palavra nos encanta.
Parabéns!
A música é linda, gostei muito.
Tenha um ótimo fim de tarde!
Carinhosamente, Lady.
Oi Jordas
ResponderEliminarSeus contos são de muita beleza.Demoro voltar porque sei que sao longos e gosto de calma pra ler cada palavra com atenção.
As pequenas coisas , uma magnolia e a sabedoria em palavras.Parabéns
Abraços
.
A pequena beleza de todas as coisas, sinto-me mais fresca de as absorver...
ResponderEliminarUm beijo :)
Olá meu caro Jordas, sua escrita é bonita e sensível. Agradeço o carinho de sua visita e gentil comentário lá no " Sempre Poesia ". Volte sempre que desejar. Um abraço.
ResponderEliminar...texto lindamente bucólico, eu gosto das imagens...
ResponderEliminarAs vezes nos atrasamos na partida.
Bjo!
Paz e Luz!
Experiências...
ResponderEliminarSomos enfim o que dá pra ser, ou oq nos couber ser!
Parabéns pelo blog!
Bjos