11/06/2009

Um Homem

José Nunes era um homem.
Nesta frase simples está toda a definição desse meu tio segundo. Mas se aqui me refiro a esse homem de estatura baixa, mas de uma dimensão moral enorme, é para narrar algumas memórias, não muitas.
Aprendi com ele que os pessegueiros e ameixieiras são da mesma raça e por isso se podem enxertar; que os pereiros podem ser melhorados quando enxertados em cavalos de pereiro azedo; que a rama de bicos unha sobre a superfície do terreno, e aí dá batatas maiores, tão grandes que têm tendência a arregoar .
Recordo-me dele, já idoso, agarrado ao bordão alvo de buxo ou acácia, descendo a estreita vereda da Cova ou a caminho do Pardieiro, com um saco “empernilhado” e a enxada de pá encaixada na cabeça, numa cadência certa e firme, no bolso detrás das calças de sarja castanha, ia sempre uma podoazinha ou uma foice curta. Estou vendo a sua figura serena a cavar, “enregueirar” a terra, depois da ceifa, a mondar as hortas ou a podar a vinha. Quando se sentia cansado, porque a idade já era muita, sentava-se no corte da terra. Um dos filhos, ou a esposa ia mais tarde buscar as batatas, as semilhas, os cestos de uva ou os “marenhos” de erva para o gado.
Na visita Pascal o meu pai saia com a bandeira do Espírito Santo, e o tio Zé Nunes levava o cesto forrado de carmim das ofertas em dinheiro, eu acompanhava-os pelos diversos casais, mas apreciava a serenidade daquele ancião, sem pressas e sempre com palavras encorajadoras. Era um homem fora de série.
Lembro-me certa vez, quando ainda garoto, andava ele a enxertar umas anoneiras, deveria ser Março ou Abril, dizer ao vizinho, o Coelho do Lombo, que as coisas estavam tomando um caminho estranho e que no futuro a palavra das pessoas de pouco valeria. Parece que tinha razão.
Foi um homem que trabalhou a até ao fim dos seus dias, não me recordo de o ver doente.

3 comentários:

  1. A frase com que abres esta crónica indicia a força que dás às palavras: um homem tem tudo dentro - a simplicidade e a determinação, a força da terra onde se plantou josé Nunes.

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  2. Há vários aspectos nestes textos do Jordas que nos interessam como professores de Português, aspectos relacionados com o autor (e a forma como domina um vocabulário muito específico - deixo agora de fora a vertente 'criatividade') e, ainda mais importante, a riqueza das literacias das suas personagens - a lembrar-nos que nem sempre 'o que não luz não é oiro' ... bem, Jordas, estou a elogiar o que escreves, antes que leias isto de outra forma... mas depois, com tempo, explico melhor ;)

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  3. O que pensaria o tio José Nunes das reformas antecipadas deste país?

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